Audiência pública discute o novo PNE e as relações étnico-raciais na educação

Com o objetivo de levantar discussões sobre as relações étnico-raciais no contexto educacional e promover cada vez mais o desenvolvimento de uma educação antirracista, aconteceu nesta quinta-feira (28), na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, uma audiência pública de iniciativa dos deputados estaduais Francisco do PT e Divaneide Basílio (PT) sobre os desafios e perspectivas do novo Plano Nacional de Educação (PNE) para a promoção das relações étnico-raciais no contexto educacional.

Ao abrir os trabalhos, o deputado estadual Francisco do PT destacou a importância do tema da audiência, que é fundamental para a transformação social do Brasil. “Esse debate nos convida a refletir sobre o papel estratégico da educação na superação das desigualdades raciais que ainda marcam profundamente nossa sociedade. É impossível falar sobre educação no Brasil sem considerar o impacto histórico do racismo estrutural, a exclusão de grupos raciais, em especial da população negra, indígena e outros povos tradicionais, que foi sistematicamente reproduzida ao longo do tempo, refletindo-se em disparidades educacionais, sociais e econômicas”, disse.

Para ele, o novo PNE precisa enfrentar essa questão com direcionamento claro. “Não podemos nos contentar com políticas de caráter universal que, na prática, não atingem de modo eficaz aqueles e aquelas que mais necessitam. É urgente incluir metas específicas, indicadores e estratégias que assegurem a equidade no acesso à educação de qualidade, valorizando a identidade e cultura desses grupos. A promoção da educação das relações étnico-raciais deve ser uma prioridade transversal que permeie desde o currículo escolar até a formação de professores e professoras, passando pela valorização da história e cultura afrobrasileira indígena e quilombola. Não se trata de apenas garantir acesso à educação, mas de assegurar que ela seja representativa, acolhedora e promotora de justiça social”, completou.

A deputada estadual Divaneide Basílio explicou que esse momento tem sido continuidade de um debate com intuito de trazer para um lugar de destaque, no Novembro Negro, a educação. “Queremos trazer para a educação o nosso lugar de pessoas negras. Não à toa tivemos a redação do Enem sobre a herança do povo africano. Temos uma lei estadual aprovada que institui a semana da África na escola, que já aconteceu a primeira edição, e essa semana lançamos o livro do Professor Pedrão, com essa temática, para ser utilizada na semana da África na escola, além de outros momentos do calendário negro, de uma forma permanente”, informou.

Ao contribuir com o debate, a representante da organização Kilombo, Dalvaci Neves, falou do curso que objetivou provocar a discussão da educação antirracista, sobre a luta contra o racismo, a partir da educação. “As leis existem há muitos anos, mas não são suficientes para as pessoas entenderem que o racismo vem do costume, vem dos hábitos, do olhar, do racismo recreativo, por meio de piadas, estrutural, institucional. A gente vê que a solução para transformar é através da educação, é através dela que se transforma a sociedade. No Brasil, a identidade negra e a valorização da identidade negra custam muito, porque já crescemos com o olhar de inferioridade, sobretudo com a mulher negra. A mulher negra precisa ter acesso à universidade, aos cargos de gestão pública e privada, ter liberdade de andar e não ser vista como um símbolo sexual e o povo negro tem que ter esse olhar de valor e é através da educação que a gente vai ter isso. É necessário que esse assunto faça parte do currículo escolar, para que o professor tenha liberdade de falar a respeito o ano inteiro”, disse.

Já a representante do Instituto Odara, Lorena Cerqueira, comentou sobre a vanguarda das mulheres negras do Nordeste na luta pela educação e das relações étnico-raciais na educação. “Embora mais recentemente estejamos falamos muito no termo educação antirracista, foi em 1988, em Recife, que houve um encontro em que saiu uma minuta de proposta de lei sobre o assunto. Essa proposta só foi aprovada em 2003 e nela já estava a ideia de que a educação não podia ser uma educação generalista, com um viés apenas frisando a parte da ocupação europeia no país. E continuamos na vanguarda porque, desde novembro de 2023, nós, mulheres negras do Nordeste e da Amazônia, estamos discutindo o que queremos para a educação nos próximos 10 anos”.

Já a coordenadora executiva do projeto Ayê Dudu, diretora de articulação institucional Yalodê e líder do NEGEDI IFRN, Maria Socorro Silva, focou na importância de debater a educação e as relações étnico-raciais no Poder Legislativo e nos outros espaços institucionais que aprovam essas pautas. “A gente precisa compreender que este é o nosso espaço, construído pela população negra e a gente não pode ser minoria e exceção quando chegamos nessas Casas. Nós somos educadores e educadoras, construímos a identidade, a relação e o pertencimento na sociedade a partir da nossa formação, nós sabemos da importância do nosso papel. Nós entendemos como a escola funciona, ela é elitizada, racista, machista, homofóbica e a gente precisa desconstruir essa relação e essa educação que está posta, porque ela nos limita”, discursou.

O vice-coordenador do Fórum Estadual de Educação, Alessandro Azevedo, resolveu destacar os avanços e lacunas com base na discussão e elaboração do documento produzido na Conferência Nacional de Educação e encaminhado ao Ministério da Educação. Entre os avanços ele apontou a garantia de acesso, qualidade e permanência da educação escolar quilombola e a proposta de ampliação da oferta de vagas nas escolas quilombolas. Com relação às lacunas, ele lembrou da ausência de foco na criação de escolas nas comunidades quilombolas e da criação de um programa permanente de inclusão de lideranças de saberes tradicionais nos PPPs das escolas quilombolas, entre outras coisas.

Com relação ao Rio Grande do Norte, ele destacou que os desafios são imensos. “A escolaridade média da população negra, de 18 a 29 anos no RN, entre 2016 e 2023, decresceu. O que deveria estar acontecendo era um aumento da escolaridade média da população negra em relação à população não negra, então algo não está sendo feito”, falou. Ele chamou atenção ainda para que momentos como esse tragam encaminhamentos concretos, como, por exemplo, o compromisso de um coletivo que pudesse mapear quais projetos antirracistas estão acontecendo nas escolas estaduais e municipais, ou que pudesse pensar uma estratégia estadual de implantação da Lei 10.639 de 2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por exemplo.

Por sua vez, a representante da Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Norte, Carla Costa, falou sobre algumas atividades recorrentes da Secretaria com relação ao tema. “Estamos com 60 escolas do campo, em que a maioria delas está em comunidades quilombolas e indígenas. Além disso, estamos trabalhando em cinco eixos: governança, estrutura, política da versão universal e focalizada, o diagnóstico e monitoramento da implementação da Lei 10.639 de 2003, a formação de gestores escolares e professores em educação para as relações étnico-raciais, bem como elaboração de material didático e literário”. Ela também enfatizou que futuramente duas escolas serão construídas, sendo uma, quilombola, e uma, indígena. E falou da formação, que está em andamento, de professores na cultura antirracista e da parceria com a UFERSA, com a promoção de um curso de extensão sobre o “RN, território do povo preto, desafio para educação do campo, das águas e das florestas nos 21 anos da consciência negra”, que conta com cerca de 100 vagas para professores. 

A coordenadora de Igualdade Racial, Giselma Omilé, enfatizou que a luta da população negra é incansável. “O que nos traz aqui é o incômodo de ainda não termos alcançado o que é de fato necessário para termos uma população negra brasileira tratada com equidade e dignidade. E pensando na perspectiva da educação, ela é essencial porque é o caminho que conseguimos visualizar do ponto de vista transformador, do ponto de vista cultura, social, econômico. E essa transformação não é para que ocorra apenas na população negra, mas em toda a sociedade”, disse.

“Pensar a educação na perspectiva étnico-racial, é pensar também em trazer os elementos construídos pela sociedade que resistem, do ponto de vista da reparação. Os brasileiros precisam se envergonhar do que foi o processo da colonização, da exploração e de desumanização dos povos africanos, que foram trazidos para construir esse país de maneira forçada. Quando a educação se torna um direito para a população negra, o racismo se estrutura e se fundamenta do ponto de vista legal, o racismo está construído a partir da legislação. Em 1824, na Constituição do Império, a lei proibia os negros e leprosos de frequentarem as escolas, ou seja, proibia o acesso à educação e isso perdurou até 1930. O processo de mobilização e de luta por direitos é um processo contínuo da população”, completou.     

Por fim, o parlamentar vereador Daniel Valença, citou a falta de avanços com relação a implementação de legislações importantes. “Mesmo tendo avanços no PNE, quando vamos para o monitoramento, percebemos a dificuldade extraordinária disso se transformar em realidade. Precisamos redobrar a nossa capacidade de organização, de mobilização, de luta social, articulada com a luta adicional que estamos fazendo.  Abstrações jurídicas por si só não vão fazer com que o povo tenha acesso ao que é de direito. Ao contrário, as nossas relações sociais concretas são fundamentadas na exploração, na opressão, na retirada do direito à dignidade. Em Natal, o racismo estrutural é tão forte que não começa nem na creche, vem de antes. São praticamente 2 mil crianças sem creche e a maioria delas são crianças negras. Precisamos impedir retrocessos e assegurar que as batalhas que vencemos se transforme em mudanças concretas para a população”.

E, para finalizar, o deputado federal, Fernando Mineiro, lembrou que falar da questão da igualdade racial na educação não é discutir educação nas comunidades quilombolas. “Estamos querendo discutir dentro do processo educacional como um todo. Não podemos reduzir o debate pensando tão somente nos espaços escolares e ensinos das comunidades quilombolas. É um desafio generalizado. O último PNE, de 2014-2024, foi prorrogado para 2025 e nós tivemos dois fenômenos que impactaram de uma maneira muito dura no cumprimento das metas, em todas as áreas, mas, em particular, nas áreas de equidade: a pandemia e o pandemônio. A pandemia dificultou a leitura e o levantamento dos dados e os estudos na área da educação e a outra razão foi uma gestão que desarticulou e desestruturou a educação”, falou.

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